O vale-refeição na suspensão do contrato de trabalho, na redução de jornada e no home office
Em regra, cancelar ou suspender benefícios, especialmente os concedidos por convenção coletiva, não é permitido por lei.
O vale transporte tem uma conotação própria, definida em lei e é concedido especificamente para cobrir as efetivas despesas do empregado com o deslocamento residência-trabalho-residência, de maneira que, inexistindo tal deslocamento, deve ser suspenso tal pagamento.
Contudo, como fica o vale-refeição, considerando que ele, assim como o VT, está diretamente relacionado a (i) efetivo cumprimento das obrigações laborais (em caso de faltas justificadas, por exemplo, ele não é devido), e (ii) jornada de trabalho superior a 6 horas diárias?
Embora seja tudo muito novo, inusitado, sem precedentes e, portanto, sem a certeza quanto ao entendimento da Justiça do Trabalho neste aspecto, deve ser levado em consideração todo o estímulo dado à manutenção do emprego pelo Governo, com edição de normas efetivamente dedicadas também à manutenção da saúde financeira das empresas ou, ao menos, a redução dos impactos destas medidas de isolamento social nas empresas impedidas de funcionarem regularmente.
Considerando esse atual cenário, e o fato de que a MP 927 dispõe em seu artigo 2º que, durante o estado de calamidade pública, o empregador e o empregado poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, e que este prevalecerá sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição, pode ser adotado o entendimento de que, caso seja acordada com o empregado a supressão do vale refeição ou a substituição por outro benefício (cesta básica ou vale alimentação), este acordo será válido.
Ainda que a MP 936, ao permitir a suspensão do contrato de trabalho, disponha que o empregado fará jus a todos os benefícios concedidos pelo empregador, não há uma previsão específica para o vale-refeição, que é concedido, tal como o vale-transporte, para cobrir despesas do empregado, todavia, com a refeição, como acima mencionado.
Da mesma forma que nas férias, no gozo de auxílio-doença ou em qualquer hipótese de suspensão do contrato de trabalho, é facultativo o fornecimento do vale-refeição, tal entendimento pode ser aplicado, minimamente, ao caso da suspensão prevista na MP 936.
Não nos parece razoável que, de um lado admita-se o não fornecimento do vale-refeição em caso de faltas justificadas ou férias, e de outro, se o exija em uma suspensão do contrato de trabalho. Em relação à redução de jornada, dá-se o mesmo: se o vale-refeição somente é obrigatório – segundo a imensa maioria das convenções coletivas – para jornadas em que haja a obrigatoriedade de intervalo para almoço (notadamente, aquelas superiores a 6 horas), não há sentido em exigi-lo nos casos em que a sua redução, de acordo com o admitido na MP 936, ficou em patamares menores do que esse.
Em relação ao teletrabalho (home office), a situação é similar. Ora, o vale-refeição justifica-se em razão de ter o empregado a necessidade de se alimentar na fora de casa quando em trabalho (por isso, vale-refeição, e não alimentação). Se a situação em que está inserido é diversa, não é razoável manter o mesmo benefício.
Porém, essas são apenas algumas das linhas argumentativas. Em matérias apreciadas pela justiça do trabalho, considerando o posicionamento tradicional dos julgadores, sempre há o risco de adoção da interpretação mais favorável ao empregado, até mesmo quando ela desafia outros conceitos.
Há ainda quem defenda, nesse tema, o entendimento de que seria uma alteração do contrato de trabalho prejudicial ao empregado (embora admitida pela MP), logo, o citado benefício deveria ser mantido.
Especificamente quanto ao teletrabalho, há o entendimento de que, havendo a prestação do serviço, ainda que em casa, o empregado continua contribuindo para a produção da empresa e teria direito ao vale-refeição.
A situação é, naturalmente, nova e a jurisprudência ainda vai se acomodar quanto a tais temas.
Por não haver um consenso, o risco permanece e caberá à empresa a decisão quanto à supressão ou não. Caso opte pela supressão no período da alteração contratual, não se orienta a dispensa da formalização do acordo individual, a fim de que se possa utilizar a tese argumentativa aqui colocada.