Existe sigilo bancário no Brasil?
A resposta é simples, curta e inapelável: não.
É fato que uma pessoa qualquer não consegue acessar os extratos bancários de outra. Se chegar no banco e pedir para ver o saldo da conta corrente daquela sogra que sempre chora miséria, não vai conseguir…
Mas isso não é sigilo; é bom senso, é um mínimo de civilização que se espera de um sistema jurídico; e também, é ausência de publicidade da informação. O endereço de uma pessoa não é uma informação pública, mas também não é sigilosa.
Informação sigilosa é aquela cujo uso por quem a detém é restrito, limitado às atividades previstas no contrato mantido com a parte divulgadora, e que terceiros (quaisquer terceiros) somente podem alcançar em casos específicos, e com autorização da justiça.
Mas o Brasil é o país dos eufemismos, e para a expressão “quebra do sigilo bancário” criou-se a “transferência do sigilo bancário”. Explico o histórico da legislação envolvendo o sigilo bancário para um melhor entendimento.
Desde a época da CPMF, o fisco tem a informação do volume de recursos financeiros movimentados por cada contribuinte. Na época da CPMF, bastava uma regra de três: o tributo pago por um CPF ou CNPJ representava 0,38% de sua movimentação.
Extinta a CPMF, a Fazenda criou uma obrigação acessória para os bancos, uma declaração chamada (já teve outros nomes, mas com a mesma função) “e-financeira”. Através dela, os bancos informam à Receita Federal o total movimentado por todos os CPFs e CNPJs.
Até aí, entende-se que não há quebra do sigilo, posto que o acesso ao total movimentado não significa o mesmo que o acesso à individualização de cada operação, como se depreende na leitura de um extrato bancário.
Mas isso era pouco para a Fazenda.
Eis que o artigo 6° da Lei Complementar 105/2001 veio estabelecer que “As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente”.
Apesar do teor limitador do dispositivo legal (“as autoridades somente poderão examinar…”), na verdade, ele legitima a quebra do sigilo bancário.
A leitura fica então assim: as autoridades poderão acessar quaisquer informações financeiras, bastando, para isso, (i) iniciar um processo administrativo, como aliás, ocorre com toda e qualquer fiscalização, e (ii) a própria autoridade entender indispensável o procedimento, o que, de resto, não precisaria nem estar escrito, pois nenhum fiscal vai pedir informações por aí se ele entende que não precisa delas.
Imediatamente o caso foi levado à justiça. Algumas decisões aqui e ali restringiam o acesso às informações bancárias pelo fisco, outras liberavam. Até que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento conjunto de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (de números 2386, 2390 e 2397) realizado em 24/02/2016, decidiu pela constitucionalidade da citada lei complementar por maioria de votos (9 a 2) – contra, votaram contra os Ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.
O Ministro Celso de Mello, com a sabedoria dos mais antigos, ponderou que “a administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo”; disse ainda que “não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar a litigiosidade”. Sábias palavras, mas foi voto vencido.
Argumentaram os ministros vencedores que a norma combatida não significa quebra do sigilo bancário, mas apenas transferência de sigilo dos bancos para o fisco, em ambos os casos, protegidos contra o acesso de terceiros. Ou seja, enquanto o genro ou o sequestrador não acessarem os dados, está tudo resolvido para a maioria do STF.
Resumindo, não existe mais sigilo: o fisco pode solicitar a qualquer momento – basta existir uma fiscalização em andamento – os dados de qualquer contribuinte, e os bancos são obrigados a fornecer.
Naturalmente que não se pretende aqui proteger sonegadores, lavadores de dinheiro e malfeitores de todo gênero. Mas um Estado que despreza os limites da individualidade do cidadão, amanhã pode tentar voos mais ousados. Sem contar a porta aberta para os malfeitores que – infelizmente – também existem dentro da estrutura estatal.
Para o fisco bastaria saber a movimentação financeira do contribuinte (informação já enviada pelos bancos), e compará-la com os rendimentos declarados. Em caso de divergência não justificada pelo contribuinte, e somente nesses casos, aí sim se teria a oportunidade de requerer uma ordem judicial para acesso às informações.
Hoje, o que se vê, é o seguinte: em qualquer fiscalização o auditor da RFB solicita os extratos; se o contribuinte fornece, ok; se não fornece, o próprio fiscal solicita às instituições financeiras através de uma requisição de movimentação financeira (RMF). Em qualquer caso, de posse dos extratos, ele intima o contribuinte para que justifique cada depósito em sua conta.
Em sendo uma pessoa jurídica, basta extrair as informações da escrituração contábil. Por outro lado, sendo uma pessoa física, pela lei desobrigada a registrar cada movimento bancário, ela que se arrume para lembrar do que aconteceu há quatro ou cinco anos atrás. Se não o fizer, será vítima de um auto de infração imputando como renda cada ingresso na conta corrente.
De onde se conclui que somos todos mulheres de César: não basta sermos honestos, precisamos parecer honestos.