Davi, Golias, e nós no meio…
Século II a.c. Dois exércitos entrincheirados, um descampado entre eles, e ninguém toma a iniciativa. Até que os respectivos líderes têm a ideia de mandar dois guerreiros lutarem, um representando cada lado, e com isso evitar a guerra campal entre centenas de homens.
De um lado sai um sujeito com mais de 2m de altura, 150kg de músculos. De outro, um baixinho, magrinho, nem barba no rosto tem ainda.
Detalhe: o franzino é fundibulário. Para quem não sabe, funda é uma arma antiga, espécie de estilingue em que o lançador prende uma pedra no meio de uma tira de coro e segura as duas extremidades; em seguida, roda a tira (com a pedra no meio), e em determinado momento solta um dos lados da tira, fazendo com que a pedra seja lançada com grande velocidade. Nessa época, um bom fundibulário acertava uma pedra viajando a 200km/h com precisão, a uma longa distância, em um alvo pequeno.
Nessas condições, quem era o mais fraco da história?
De que adianta uma montanha de músculos carregando a espada, se a briga é em campo aberto e do outro lado tem um atirador de elite com uma pistola na mão?
Apresentado o cenário, sou mais o David. Golias foi presa fácil…
Sem qualquer cunho religioso, apenas usando o relato anedotário, Malcolm Gladwell (“David e Golias”, Ed. Sextante, 2014) usa a história acima para discorrer sobre as armadilhas em que nós mesmos nos colocamos, enxergando obstáculos ou desvantagens onde não precisa haver.
Quem disse que a briga era no braço? Se David tivesse competido nas condições do adversário, estava perdido. Como se recursou a fazê-lo, construiu ele mesmo as suas condições, e o jogo virou: a outra parte passou a ser a mais fraca.
Muitas vezes entramos no mercado competindo no preço. Ou brigamos pelo melhor ponto, não importa o quanto ele custe. Ou então, contratamos a equipe mais experiente e bem remunerada da praça.
Ora, se tem competidor no jogo com mais tamanho, escala e capital, ele vai levar a melhor. Brigando assim, somos o David entrando no quarto escuro com o Golias – não vão sobrar nem os ossos.
O moral dessa história – pelo menos da minha – está nesse ponto: não preciso aceitar as condições do competidor.
Se ele é maior e tem menor preço, preciso buscar outro diferencial: atendimento, especialização, qualidade, conveniência, prazo de entrega, ou, na pior das hipóteses, vou encarar a briga (e a surra) como aprendizado; uma pós-graduação naquele mercado, a oportunidade de obter informações que não seriam absorvidas de outro modo, e com isso ser um competidor melhor na próxima batalha.
Escrevi aqui nesse espaço outro dia sobre o Efeito Smart Fit: serviços direcionados, por um preço imbatível, mas um baixo custo por conta da informatização. A briga era uma, eles mudaram a guerra em um mercado saturado.
Há casos ainda em que a condição adversa atinge os Davids de plantão sem que eles nem tenham entrado em campo: somos nós no meio! Trump taxa o produto chinês, que em reposta desvaloriza o câmbio. Entre um e outro, a bolsa brasileira cai 2,5%. Golias espirrou, e David pegou uma pneumonia.
O que se pode fazer nessa hora, senão encontrar modalidades diferentes de concorrer?
Nenhum segmento é antigo o suficiente para que não possa ser sacudido pela criatividade.