A lavadeira de Waterloo
“Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja.”
Nelson Rodrigues
Em geral, o ser humano busca certezas: quer saber se existe vida após a morte; de onde viemos, para onde vamos; se vai ficar pobre ou rico no fim da vida; se o filho vai encontrar uma boa esposa; se a mãe vai desenvolver o Alzheimer que vitimou um tio distante, e por aí vai.
Essa aversão a incertezas, claro, continua dentro do escritório: vale a pena investir na troca de sistema? Compro Tesouro Direto, troco de carro, ou invisto em marketing? Compro o estoque agora ou espero o dólar vai ciar? Em qual inovação está trabalhando o concorrente?
Tudo o que não for o presente ou o passado, é incerteza. Daí que de pouco adianta se preocupar com as incertezas erradas.
Na verdade, pouco adianta se preocupar com qualquer incerteza. Embora seja comum, é estranho gastar energia e tempo imaginando como estarei aos 90 anos de idade (ou mesmo depois de morto), se tenho incertezas mais prementes me mordendo os calcanhares: não sei se o almoço vai causar uma catástrofe digestiva e me impedir de estar na reunião das 17h, ou se o funcionário contratado ontem vai durar, pelo menos, até o fim do prazo do imposto de renda.
É o caso da lavadeira de Waterloo: Napoleão morrendo na frente dela, com todos os efeitos daí decorrentes para a França da época (imagine o que um investidor mais atento faria com essa informação privilegiada), sem contar, é claro, o momento histórico, e ela preocupada sabe-se lá com o quê.
Os investimentos, nossas ações, as práticas de liderança, e todo o esforço gasto na gestão do negócio não seguem uma regra de linearidade.
A equação linear descreve uma realidade na qual o futuro é bem definido. Por exemplo:
Y = 3X
Se X é igual a 2, Y será igual a 6. Se X for igual a 3, Y é igual 9. Em resumo, a cada grau que subo de X, subo três graus de Y.
A regra nos negócios, contudo, não é essa; salvo os investimentos livres de risco, como um CDB, onde para cada 100k investido sei que terei aproximadamente 4k ao final do ano a mais na conta.
Na empresa investimos, trabalhamos, e o resultado aparece em uma escala diferente. Os 100k investidos em treinamento podem redundar em zero de retorno, ou em um acréscimo de 10% no resultado. Na maioria das vezes, nem mesmo se consegue medir o retorno diretamente.
No CDB meço o retorno apenas observando a realidade, afinal, basta olhar o saldo no extrato e saber qual foi o rendimento. Os investimentos empresariais são medidos não pela observação da realidade, mas por uma função da realidade. Em termos matemáticos, seria
Y = f(X)
Onde X é a realidade, e Y o resultado que consigo enxergar.
Voltando ao exemplo do treinamento: quem garante que os 100k investidos em treinamento são os responsáveis pela redução em 30% nas despesas decorrentes de devolução de mercadorias? Pode ser que essa redução tenha ocorrido pela troca do gerente, pela criação de novos processos operacionais, ou pela criação de um departamento de auditoria interna.
E como se não bastassem os complicadores, a incerteza quanto ao resultado pode estar até mesmo dentro do próprio investimento: a redução dos erros da equipe decorreu do treinamento em processos de entrega, ou do treinamento no funcionamento do sistema de gestão de estoques?
Como disse, temos uma ideia do resultado: claro que o investimento em treinamento reduz os erros, e reduzindo erros tenho menos despesas, e tendo menos despesas tenho mais lucro. Mas a relação direta e precisa, jamais vou ter.
Então faz como, não investe? Não treina?
Ora, quem pensa em não investir por tal motivo, volta a ser prisioneiro da incerteza. Esse é o ponto aqui: não dá para ser preciso, inexiste linearidade nos processos empresariais.
Aprender isso é essencial para não ter desespero e conseguir fazer um planejamento.
O moral da história está então em trocar a predição pela preparação.
O planejamento não é para prever o futuro, mas visando a preparação para as oportunidades que se vão apresentar, e por ora são desconhecidas.
É o Cisne Negro do Nassim Taleb, eventos improváveis e imprevisíveis, uma cauda estatística, que ao se manifestarem possuem a capacidade de causar impacto significativo.
Cisnes Negros podem ser bons (impacto positivo) ou ruins (impacto negativo). Como são imprevisíveis, não se pode planejar as ações necessárias para absorver seus impactos. No entanto, é possível estar preparado para qualquer que seja o impacto: é o treinamento, o marketing, a gestão, e todas as ações demandadas na empresa cujo resultado não se sabe ao certo qual será.
A lavadeira de Waterloo não estava preparada para o Cisne Negro que lhe bateu à porta, sequer notou a sua existência.
O concorrente pode destruir o modelo tradicional de seu negócio? No lugar de perder tempo se preocupando com a resposta, por que não preparar a empresa para fazer mais do que já faz hoje, e mais do que qualquer concorrente criativo pode fazer? É uma atitude útil e divorciada da resposta à pergunta inicial: ganha-se sempre! A melhora no produto e no serviço mantém clientes e traz novos, independentemente de externalidades e concorrentes.
O governo vai inventar mais uma obrigação (regulatória, tributária, trabalhista etc.) qualquer para complicar a vida do empresário? De novo, no lugar de reclamar, melhor aproveitar a oportunidade para melhorar processos, investir em sistemas e automação. Vindo ou não a nova obrigação, a melhoria operacional incrementa o serviço, reduz custos, e turbina resultados.
O foco então muda da preocupação com o futuro, para a preparação para qualquer que seja o futuro.